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Sem Fies, alunos apelam para rifas e rateio entre familiares

08/08/2017 | Por: O Tempo | 5398

Léo Fontes Sonho difícil. Thais e Tatiana conseguiram as tão sonhadas vagas pelo Enem, mas não conseguiram o Fies e podem perder o curso

Publicada em: 12/03/2017

Vencedora na categoria Impresso Regional
Queila Ariadne / O Tempo / Minas Gerais

 

No ano passado, 6 milhões de pessoas fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Apesar de acirrada, a disputa não é a parte mais complicada rumo ao sonho do curso superior. “Entrar é fácil, difícil é conseguir pagar”, lamenta a recém-aprovada Thais Lorrane Oliveira Silva. Aos 18 anos, após uma vida inteira em escolas públicas, ela conseguiu nota suficiente para o tão sonhado curso de enfermagem. Porém ficou fora do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que para o primeiro semestre deste ano ofertou 66% a menos de vagas em relação ao mesmo período do ano passado. Agora, o jeito é tentar outras linhas privadas.

Enquanto a aprovação do crédito não vem, Thais equilibra a angústia com a criatividade, para buscar recursos. “Estou fazendo uma rifa para arrecadar dinheiro para pagar pelo menos o primeiro semestre. Se eu não conseguir financiamento, serei obrigada a trancar, mas tenho que cursar no mínimo seis meses para fazer o trancamento”, afirma.

Para Thais, a alegria de ser aprovada no curso superior durou só uma semana, até receber a classificação na lista do Fies. “Quando saiu o resultado, eu vi que tinha nota para me inscrever em enfermagem e estava em oitavo lugar para o Fies, que disponibilizava sete vagas para meu curso na universidade em que me matriculei. Mas, como essa lista muda de acordo com as notas e o movimento das inscrições, eu caí para a 18ª colocação. Agora, minha esperança é ser chamada no segundo semestre. Até lá, vou tentar me virar como eu posso para pagar a mensalidade, que é de aproximadamente R$ 1.200. Por isso é muito importante eu conseguir ao menos o financiamento privado, que paga 50%, para a gente quitar depois”, explica Thais.

A felicidade de Tatiana Ribeiro Oliveira, 19, também virou preocupação para toda a família. Ela passou, mas não conseguiu o Fies nem a linha de financiamento privado oferecida pela universidade, que custeia metade da mensalidade. “Como vou pagar? Esse é o assunto de todo dia na minha casa. Meu pai está desempregado. Eu trabalho e vou pagar metade. A outra metade minha mãe vai ajudar, mas só dá para fazer isso por um semestre. Se eu não conseguir, terei que trancar, senão passaremos necessidade”, lamenta.

Menos oferta. Em 2015, o governo federal liberou 287,4 mil vagas pelo Fies para o ano todo e desembolsou R$ 14,09 bilhões. Em 2016, foram 203 mil vagas, 30% a menos. O desembolso caiu 10,7%, para R$ 12,58 bilhões. Em 2017, o Ministério da Educação (MEC) disponibilizou 150 mil vagas para o primeiro semestre, 100 mil a menos em relação ao mesmo período do ano passado. Thais conta que, há dois anos, duas primas conseguiram realizar o sonho de entrar para a faculdade graças aos programas sociais. “Uma entrou pelo Fies, e outra, pelo Prouni. Eu imaginei que, quando chegasse minha vez, também seria fácil. Mas o mais difícil não é passar, mas se manter na universidade”, reforça.

Assim como Thais, Tatiana continuará tentando uma chance no próximo semestre. Caso contrário, também não terá outra alternativa a não ser trancar o sonho. “A mensalidade é cara, e tem custos com transporte, lanche e material”, destaca a universitária

Funil

Demanda. Dos 9,2 milhões de inscritos no Enem em 2016, 1,34 milhão são treineiros. Do total de inscritos, 8,6 milhões confirmaram, mas só 6 milhões fizeram realmente as provas, segundo o Inep.

PREOCUPAÇÃO
Impotência deixa coração dos pais mais apertados

O sonho interrompido não é só dos aprovados que não conseguem pagar a faculdade. O coração de mãe fica apertado. “Na hora em que eu recebi a notícia de que ela tinha passado, eu senti alegria e tristeza ao mesmo tempo porque pensei: e agora, como é que vai ser para pagar? Do jeito que as coisas estão difíceis, não temos nem a quem recorrer, porque todo mundo está apertado”, conta a manicure Marlene Bispo, mãe de Thais Lorrane Oliveira Silva.

A auxiliar administrativo Adriana Ribeiro, mãe de Tatiana Ribeiro, divide a mesma angústia. “A gente sonha para os filhos uma vida melhor do que a nossa. Na minha época, o auge era ter ensino médio. Agora, tem que ter curso superior para vencer na vida. Eu vou fazer de tudo para ela conseguir”, afirma. “Às vezes escuto as conversas dos meus pais, preocupados. É muito triste”, lamenta Tatiana.

Para a coordenadora de trilhas de desenvolvimento individual e especialista em carreiras da Faculdade IBS/FGV Elma Santiago, o mais angustiante é que os pais veem no curso superior a garantia de um bom emprego. “O que mais pesa é a sensação de impotência e incapacidade de fazer algo para realizar o sonho de formar o filho. O acesso está cada vez mais restrito.

Até mesmo para os financiamentos privados é difícil conseguir um fiador, com tanta gente desempregada. Apesar de tudo, a família jamais pode desanimar. Tem que acreditar sempre que as coisas vão melhorar”, destaca. (QA)

Mãe pediu para ser demitida só para ajudar a filha com o FGTS

A dificuldade de acesso à universidade também atropela o sonho dos pais que, embora façam tudo para financiar os estudos dos filhos, nem sempre conseguem o suficiente. Até mesmo colocar o emprego em risco está entre as opções. Endividada, M.S. S., que pediu para não ter o nome divulgado, fez um acordo com a empresa em que trabalha para que fosse mandada embora e conseguisse dinheiro para limpar o nome e ser fiadora da filha, que tenta uma linha de financiamento privado. “Foi o único jeito. Usei meu FGTS para quitar minhas dívidas e limpar meu nome. Foi tudo na confiança, mas a qualquer momento eles podem me dispensar, porque estou lá sem carteira assinada”, conta.

O esforço da mãe ainda não foi recompensado. A filha não foi aprovada em nenhuma linha de crédito privado.