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Um ano após MEC mudar regra, polos de ensino a distância aumentam 133%

08/08/2018 | Por: O Estado de S. Paulo | 2885

Vencedora na categoria Impresso Nacional
Júlia Marques e Isabela Palhares / O Estado de S. Paulo
Publicada em: 28/05/2018

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Mariane Gouveia, de 51 anos, estuda até nas brechas do trabalho. Entre uma reunião e outra como mediadora de conflitos em um centro judiciário de Praia Grande, na Baixada Santista, ela aproveita para assistir a aulas ou rever explicações na tela do celular. Mariane cursa uma graduação a distância – modalidade que cresce no País. 

Um ano após a publicação de um decreto que regulamenta a modalidade, o número de polos de ensino a distância (EAD) autorizados no Brasil cresceu 133%. Antes da regra, eram 6.583. Hoje já chegam a 15.394, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). O resultado é a capilarização do EAD no País. Entidades de classe, a maior parte ligada a carreiras da área de saúde, porém, criticam o modelo, enquanto especialistas veem risco de que a expansão resulte em queda na qualidade e falta de fiscalização.

O decreto eliminou a exigência de que o governo fizesse visitas prévias aos câmpus e deu autonomia às instituições para a criação dos próprios polos, desde que elas cumpram parâmetros de qualidade definidos pelo governo. O número de polos que podem ser criados hoje é calculado com base no Conceito Institucional (CI) da escola, obtido em avaliações feitas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep). Quanto maior o conceito, maior a qualidade. Instituições com CI igual a 3 (o mínimo satisfatório) podem ter até 50 polos; se o CI é igual a 4, o número aumenta para 150 e, se o CI é 5, a instituição pode criar até 250 polos. 

A regra também regulamentou o surgimento de centros exclusivos para educação a distância. Mas, desde maio do ano passado, isso não ocorreu. As quatro instituições credenciadas no País para oferecer apenas cursos a distância já existiam antes do decreto. 

Logística. Para Mariane, veterana de graduações presenciais, a instalação de um polo da Estácio em Praia Grande pesou na decisão pelo curso de Mediação, um tecnólogo focado na solução de conflitos judiciais. Ela trabalha e mora na cidade e, no início do curso, teve de ir mais vezes ao polo para tirar dúvidas sobre a plataforma. Hoje, elogia a possibilidade de estudar e continuar trabalhando. “Não preciso esperar terminar a faculdade para aí sim entender a prática.” 

A unidade foi uma das 171 que passaram a funcionar a partir do segundo semestre do ano passado. Segundo Aroldo Alves, vice-presidente de EAD da Estácio, a quantidade de municípios com unidades quase dobrou no período. “Vamos aos menores, para dar acesso ao ensino superior onde não seria viável a instalação de um câmpus.” 

Diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Luciano Sathler diz que as regras para a modalidade no Brasil facilitam o acesso ao ensino superior. “Antes, tínhamos um número muito grande de polos com poucas instituições.” 

Estudo. O ensino a distância não é a primeira opção de brasileiros. É o que mostra estudo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que entrevistou 1.012 pessoas. 56% disseram preferir a graduação presencial, contra 27% que preferem o EAD.

Para Celso Niskier, vice-presidente da Abmes, porém, cresce o número de adeptos do ensino a distância, especialmente entre os mais novos. “O jovem tem compreensão maior de como a tecnologia pode ser usada no ensino.” Cursos online na área de Educação são os que registram mais matrículas.

Governo vai fiscalizar oferta de curso a distância

O Ministério da Educação (MEC) pretende, até o fim deste ano, implementar um programa de monitoramento de cursos superiores no Brasil, entre eles os de ensino a distância. A falta de fiscalização dessas instituições preocupa especialistas da área, que temem pela queda na qualidade e veem a permissão para criação de polos como uma estratégia para atender à pressão do mercado e melhorar indicadores do ensino superior no País.

No Brasil, apenas 23,8% dos jovens entre 18 e 24 anos cursavam o ensino superior em 2017, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Plano Nacional da Educação (PNE) estabelece como meta que esse porcentual aumente para 50% até o ano de 2024. 

“A preocupação quando se fez essa nova regulamentação foi apenas quantitativa e usando um argumento da democratização. A questão da qualidade foi deixada de lado. As instituições que estão ampliando (a oferta de ensino a distância) não tem know-how para fazer isso”, diz João Cardoso Palma Filho, especialista em políticas educacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).  

Segundo Palma Filho, um dos riscos ao estudante é a suspensão da formação no meio do processo. “Só a partir da metade do curso é que a instituição terá de apresentar um relatório. E aí vai ter um reconhecimento ou não. O que vai acontecer com o estudante se o curso não for reconhecido?”, questiona.  

O governo, por outro lado, diz que, contra cursos que não atendem aos parâmetros de qualidade ou estão irregulares, tem “mecanismos de atuação, de acordo com a gravidade da situação e com os possíveis impactos sobre a vida de estudantes.” Entre esses mecanismos, o MEC cita a suspensão de ingresso de alunos e da oferta de cursos, o descredenciamento de instituições e a suspensão de autonomia universitária. 

Ainda este ano, a pasta promete implementar um Programa Nacional de Supervisão e Monitoramento de cursos superiores e instituições credenciadas, com a “realização de avaliações especiais focadas na oferta de EAD e em cursos ofertados irregularmente”. Detalhes sobre esse programa ainda não foram divulgados pela pasta. 

Segundo o MEC, a nova regra sobre a abertura de polos, que vincula o número de unidades ao conceito da instituição, exige padrões de qualidade mais elevados e responsabilidade dos dirigentes. “Ao invés de uma ação morosa de visitas a polos de EAD, passa-se a um modelo de avaliação ampliada que considera a oferta de EAD no âmbito da estratégia pedagógica da instituição”, diz a pasta. 

Fabio Figueiredo, diretor de Planejamento da Cruzeiro do Sul Educacional, é um dos que comemoram a medida. “A regulação era tão travada e burocrática que tornava impossível que players menores em tamanho de rede competissem com os líderes. Quem estabelecia a reserva de mercado e impedia a concorrência era o próprio MEC.” A Cruzeiro do Sul abriu mais de 300 polos no último ano. “O MEC parte do pressuposto que, se a instituição é reconhecida, se não é uma aventureira, ela vai seguir com seus indicadores para a expansão”, diz Figueiredo. 

Na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) – uma instituição mantida pelo governo estadual – foi montada uma força-tarefa para checar a qualidade dos polos após o “boom” do último ano. “Está em andamento uma vistoria em todos os polos, com check-list de umas 200 perguntas, que vão desde a configuração das máquinas até a acessibilidade. Em três meses vamos percorrer 274”, explica Fernanda Gouveia, presidente da Univesp. 

Segundo ela, no último edital, para as 20 mil vagas ofertadas no vestibular do meio deste ano, 84 municípios se candidataram para ter polo. “E a gente percebe, entre eles, municípios de 1,5 mil habitantes, de zona rural, locais bem distantes.”

Interior. A graduação a distância não foi a primeira opção de Debora Machado, de 21 anos. A estudante conta que sempre teve receio da modalidade. “É normal que as pessoas da minha idade tenham preconceito com o EAD”, diz. Mas em Dois Vizinhos, cidade do interior do Paraná onde Debora mora com a família, não havia opção de curso presencial na carreira que pretendia seguir, de Publicidade e Propaganda. 

A primeira saída, conta Debora, foi prestar vestibular para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Apesar de ter sido aprovada na instituição pública, a estudante conta que não teria como se sustentar longe de casa. “O dinheiro não daria para o aluguel.” 

Hoje, Debora estuda Publicidade online pelo Centro Universitário Internacional (Uninter), um dos maiores do Brasil na modalidade, e elogia o método. “Vi que é até melhor para o meu estilo de vida. Gosto de estudar sozinha”, conta Debora, que procura se dedicar cerca de duas horas por dia. Uma das desvantagens, porém, é não ter contato com colegas diariamente. Contra a saudade da turma, recorre à tecnologia. “Temos um grupo no WhatsApp com pessoas de polos do Brasil todo.”