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Todo poder ao professor

08/08/2017 | Por: Revista Época | 3342

Olivier Morin/AFP Aula numa escola na Finlândia.Por lá,o professor é o principal investimento do pais em educação

Publicada em: 14/11/2016

Vencedora na categoria Impresso Nacional
Flávia Yuri Oshima / Revista Época

Esqueça os computadores e tablets, os laboratórios bem equipados, o nível socioeconômico do aluno, mais horas de aula e métodos inovadores de ensino. Nada, absolutamente nada, é mais importante para o desenvolvimento de uma criança – e consequentemente na vida profissional de um adulto – do que ter um bom professor. Ninguém nunca questionou o valor dos professores. A novidade é que a maior pesquisa já feita em Educação comprovou que ter um bom professor não só é importante para a educação do aluno, como esse é o fator de maior influência no aprendizado, em qualquer lugar do mundo, independentemente do método de ensino ou da idade da criança.

A cada ano de aula com um bom professor, as crianças aprendem o equivalente a um ano e meio a mais de estudo na comparação com alunos que têm professores apenas medianos. Os estudantes de um professor ruim, por sua vez, aprendem metade ou menos do que deveriam em um ano. O impacto dos bons professores ecoa por toda a vida adulta dos estudantes. Eles têm mais chances de cursar uma faculdade, de ter um bom emprego, de levar uma vida mais saudável e de contar com rendimentos maiores ao longo da vida.

Para chegar a essas conclusões, o professor neozelandês John Hattie, diretor do Instituto de Pesquisas em Educação da Universidade de Melbourne, na Austrália, fez uma meta-análise: cruzou informações de 65 mil grandes estudos realizados nos centros de pesquisa mais conceituados do mundo. Essa é a maior análise de dados já feita na área de Educação em toda a história acadêmica. As informações coletadas ao longo de mais de 20 anos permitiram aferir também uma análise de custo e eficácia de cada um dos fatores que podem ter impacto na Educação. Nessa relação, os professores também dão um banho na comparação com todos os outros fatores. O investimento em professores é mais eficaz e também mais barato do que uma série de outras medidas.

Diminuir o número de alunos por sala de aula custa cinco vezes mais do que formar e manter um bom professor e dá quatro vezes menos retorno. Reforçar o ensino com aulas complementares fora do horário-padrão exige o dobro do investimento e é cinco vezes menos eficiente. A melhoria das instalações da escola também custa o dobro do valor do bom professor e é nove vezes menos eficaz.  “Com esses dados em mãos, nenhum país que realmente se importe com Educação pode se negar a investir na profissão”, disse John Hattie a Época.

O levantamento de Hattie desfaz também um mito sobre a área: bons professores seriam aqueles que nascem com a vocação para o magistério.  Saber dar uma boa aula é uma habilidade que deve ser desenvolvida, com treinamento, planejamento e acompanhamento. Assim como é possível formar superatletas com o preparo adequado, também é possível formar excelentes professores. Isso é o que fazem os países com os melhores resultados educacionais do mundo.

Essas conclusões podem ser valiosas na definição de políticas públicas para países de grande desigualdade social como o Brasil. A estrutura que famílias ricas oferecem compensa mais facilmente o impacto de ter professores medianos na formação das crianças. É entre as crianças mais pobres que o efeito do bom professor é potencializado. A presença entre alunos da periferia de um professor como Luiz Felipe Lins, da reportagem a partir da página 56, pode neutralizar a influência negativa da pobreza no aprendizado. Os estudantes pobres costumam aprender até 40% menos que alunos mais ricos. A análise de Hattie mostra que, nos Estados Unidos, a diferença de desempenho entre os alunos brancos e negros (de até 25%) desapareceria em s oito anos se os negros tivessem aulas com professores classificados entre os 20% mais bem preparados .

Os países com melhores desempenhos educacionais são os que perceberam esse tipo de impacto e investiram pesadamente na formação de bons professores. É o caso de Cingapura, o atual 1o lugar no Pisa (ranking internacional que mede as habilidades em matemática, leitura e ciências). Por lá, o pré-requisito de um candidato a professor é que suas notas estejam entre as 30% mais altas do país. O primeiro-ministro entrega pessoalmente o canudo de professor para cada aluno que se forma na profissão. Mais do que a remuneração, os professores de Cingapura são os profissionais de maior prestígio do país. O mesmo ocorre na Finlândia, na Coreia do Sul e em Hong Kong – para ficar apenas entre os primeiros colocados do Pisa.

Os métodos usados para dar aula nesses países diferem, mas as estratégias para formar e manter excelentes professores são similares. A boa notícia, portanto, é que o mapa para chegar a uma nação de educadores de primeiro nível existe. Nas nações que mais sabem educar suas crianças, o processo de valorização da profissão de professor começa no perfil do aluno atraído para a área. Ser professor na Finlândia ou em Cingapura é tão difícil quanto se formar como médico. O vestibular para os cursos de formação de professores seleciona os melhores alunos do país. A carreira de professor seduz tanto pelo que proporciona financeiramente quanto pelo prestígio que confere a quem chega lá. O professor é respeitado – a ponto de ter um primeiro-ministro como paraninfo de formatura.

A má notícia é que a estrutura de formação de professores no Brasil percorre caminhos literalmente opostos aos das melhores práticas internacionais. Por aqui, os estudantes que ingressam nas faculdades de pedagogia estão entre os 20% piores colocados nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Um professor ganha em média 57% menos que outros profissionais com o mesmo número de anos de formação. O desprestígio da profissão é notório. Apenas 2% dos alunos no ensino médio pensam em dar aula. A maior parte dos estudantes dos cursos de licenciatura e de pedagogia os escolhe ou por falta de opção ou porque querem ser pesquisadores.

Nos países com bom desempenho educacional, ensinar ao professor métodos de como dar aula tem tanta (ou mais) importância quanto dominar conteúdos específicos, mesmo nos cursos de licenciatura. Isso não ocorre à toa. O planejamento das aulas, o controle do tempo, a assertividade e a capacidade de prender a atenção dos alunos estão entre as ações de maior impacto na qualidade do aprendizado. Os bons professores também são capazes de mudar o conteúdo ensinado. Mais do que ensinar pontos factuais, o professor deve ser capaz de desenvolver no aluno a capacidade de análise e de raciocínio lógico. “O importante não é ensinar matemática. Mas, sim, ensinar o aluno a aprender matemática”, disse Lee Sing Kong, professor e ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura, a Época.

Essa é justamente a maior fragilidade que o Brasil tem na formação de seus professores. Tanto as faculdades de pedagogia quanto as de licenciatura negligenciam – às vezes, por completo – a didática em sala de aula. “Os cursos são estruturados para formar intelectuais e pesquisadores”, diz Bernardete Gatti, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e uma das maiores especialistas em carreira de professores do país (leia sua entrevista na página 62). “Alguns acadêmicos chegam a se escandalizar com a ideia de dar aulas voltadas para a prática de sala de aula. Eles encaram esse assunto como algo de menor valor”, diz ela.

Outro ponto em comum aos países com bons professores é a avaliação constante da qualidade da aula. Para isso, é comum haver supervisores assistindo às aulas, sem aviso prévio, não só na fase de formação do professor, mas ao longo de toda a sua carreira dentro da sala de aula.

Novamente, por aqui vamos na contramão. O Brasil faz parte do grupo de países que mantêm a sala de aula como uma “caixa preta”, na denominação da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Nesses países, entrar na sala de aula para aferir a forma como o professor desempenha seu papel é um constrangimento, mesmo se combinado previamente. Em alguns locais do Reino Unido, os sindicatos conseguiram proibir que avaliadores tomassem nota durante a aula de um professor, com o argumento de que a prática colocaria em xeque a autoridade do mestre diante da classe.

A falta de cultura de avaliação de desempenho dos professores está no cerne dos problemas que temos no Brasil com os cursos de formação destinados aos 500 mil professores na ativa na rede pública. Somente o governo federal, sem contar o dinheiro de estados e municípios, investiu R$ 1 bilhão em cursos de aperfeiçoamento para professores do ensino médio em 2014. Não há, entretanto, medição de impacto dos gastos com esses treinamentos no aprendizado do aluno. “As poucas iniciativas realizadas com esse objetivo não conseguiram mostrar uma relação entre o investimento feito nos professores e a melhora das notas dos alunos”, diz Sergio Firpo, professor da Cátedra Instituto Unibanco no Insper. “Não há dados para apoiar qual é a forma mais efetiva de usar os recursos de treinamento de professores.”

Outro ponto crítico para a formação de um quadro nacional de bons professores no Brasil é a estabilidade no emprego, que torna praticamente impossível, na prática, excluir da rede pública os profissionais ruins, ao contrário do que ocorre nas escolas privadas e na maior parte das profissões. Segundo pesquisas, tirar da rede de ensino os professores classificados entre os 5% piores dá mais resultado no aprendizado final do aluno do que dar bônus salarial para a metade dos professores com melhor desempenho. “Manter os ruins afasta os bons e mina a atratividade da carreira entre os jovens”, diz Bárbara Bruns, diretora de Políticas de Educação do Banco Mundial.

Para que o Brasil consiga avançar no roteiro que leva um país a ter excelentes professores e, consequentemente, boa educação, precisamos virar pelo avesso a forma como formamos e valorizamos nossos professores. “Não há como melhorar a carreira de professores sem fazer  uma revolução, desde a formação inicial até as avaliações de desempenho”, diz Bernardete Gatti. Revoluções na área de Educação não são feitas da noite para o dia. Um primeiro passo, porém, poderia ser dado imediatamente no Brasil. Criar instrumentos para que os altos investimentos (já existentes) em formação de professores resultem em profissionais mais bem preparados e valorizar aqueles cujos alunos aprendem mais pode ser um começo para uma revolução. O maior problema da educação brasileira está à frente do quadro-negro. E a solução, também.